terça-feira, 30 de abril de 2013

Auto mar



Ninguém se deu conta que tinha o menino no mar. Que o peixe agulha furou as bóias dos braços. Que veio puxando a correnteza feito aspirador, a água engolindo salgada.

Depois deitou. Alto mar rugindo mansinho. Tossia e se equilibrava na superfície.
Um toco de amarrar navio prendia o pelicano.

Na praia as ondas dizendo não não não chegou ninguém para acudir.

A lua é uma bola que pode sair de noite, pode sair de dia. 
O mundo é outra, pendurada numa coisa vazia.

Deitado no colchão do mar. Estrela de dia e lua no céu. A calmaria durou pouco. Logo veio uma onda gigante, expulsando o papudo do toco. Voou. O menino e seus braços-palito de volta para a roleta, girando sem fôlego nem destino. Sorte então, nenhuma.

No fundo, um tubarão brilhando os cento e cinquenta dentes. Bufando bolhas pelas guelras. Quando abriu a boca, se viu dentro da garganta. 

O tubarão não tem corda vocal. Dentro daquela boca tudo é oco. Só o grito do menino vinha rebatido lá do fundo. 

Na primeira mastigada aparece o anel do pirata brilhando ametista. Na segunda, um dente cai e logo brota outro por cima. As dentadas firmes, dentes caindo e crescendo; se botasse as mãos por baixo pegaria vários, afundando como moedas.

A unha suja do pirata apontando para a superfície. Nadou para o alto.

Um dos peixes combinou com o cardume de correrem todos com os olhos fechados. 

O pelicano mergulhou faminto. Atrás, o monstro mastiga sem precisão. Na sétima mordida, triturou mais de trinta sardinhas vendadas por sargaço. Até ficar satisfeito.

Sobe o pássaro com o menino na boca. Alto bastante para ele sentir o vento na queda.

A terra é redonda e azul. Vista de cima pode ser verde, amarela, cinzenta. Mas a grande parte é azul. E o vento invisível no rosto.

Caiu desacordado, até as ondas o levarem para a areia feito uma mãe jeitosa.
Cinco pontas tinha a estrela do mar alaranjada. Estiradas na praia.

Cinco pontas magrelas. Acordou com as mãos em concha, cada uma repleta de dentes brilhantes. 

Deitado na grande bola. Olhando para a pequenina, que brilhava esfumaçada. De barriga pra cima no convexo do planeta. Areia um gelo de fria. O dia acabando quieto.

O universo gira ao redor da terra parada.