quinta-feira, 13 de junho de 2013

Trovoada



Milhões de pingos paraquedistas nesse céu nublado. Inunda o Recife e o povo daqui é daqueles que se abriga e corre com medo; enquanto o sertão ainda torra numa seca desgraçada que emenda uma na outra e lá se vai mais um ano com aquela mesma pedra de sal na janela. Aqui chamam o tempo de tenebroso. Quilômetros cúbicos de água doce desabando de graça na cidade, alagando ruas, quebrando sinal, cobrindo calçada, derrapando barraco...

Pergunto ao asfalto impermeável e às valas cheias, pra onde tão levando essa água toda? Não basta esse desperdício de pedra e piche, onde nada se planta. Vai a mão e arranca o capim entre o concreto. Não basta esse tapete preto feito para cuspir fumaça e arder nos dias quentes. Pra onde tá levando essa água boa?

Pra se misturar com bosta, é isso? Cair no canal, correr no mangue, passar no esgoto e do rio pro mar. É bom perguntar aos telhados das casas, ao cume das torres, àquelas calhas ligadas feito bicas. Cês sabem que lá nas brenhas, lá pra dentro, onde a memória se corta de espinhos, as cisternas do governo tão cheias de eco; ocas casas de aranha cheirando a poeira.

Tá na hora do Capibaribe correr ao contrário, acha não? Levar em canos essa água muita...

Pois desde hoje que o som é de cachoeira. A gente sem querer se molhar. Já caiu mais de três São Franciscos, falta cair o barco, a carranca e o barqueiro. A nuvem não quer se chegar pra lá? Aqui todo mundo reclama. Lama destrói, lodo escorrega, carro boia, coisa dá choque, não tem mais aula... Bem, uma coisa boa...

O asfalto - desculpa falar de novo do asfalto - o asfalto cede nessa terra de mangue, faz cratera que parece início de fim de mundo. E o povo ainda lembra de setenta, achando que Tapacurá vai explodir, que vai perder a geladeira...

Pois pronto, então faz um teto fumê em cima disso tudo, pessoal vai gostar. Usa os prédios como pilares, escoa tudo pra onde merece.