Se aquela árvore caísse, pensou, iria sim ao encontro de Sônia. Ficou olhando atentamente para as folhas dançando na brisa. Os galhos quase imóveis. Depois colocou a cabeça para fora da janela e vigiou o céu. Azul claro. Sorriu. Foi até a estante e limpou a poeira dos livros com o dedo, enquanto escolhia um para si.
Sônia voltava a ficar de pé. Já repetia os mesmos movimentos a 20 minutos: sentar, levantar, olhar no relógio, tossir baixinho, coçar a nuca... Agora começava a se preocupar no que os outros fregueses da cafeteria estariam pensando. Sentou-se novamente, contendo os movimentos.
Nunca tinha lido Moby Dick. Nem nunca se imaginou lendo. Seu interesse por literatura estrangeira era mínimo. E não era apaixonada por romances, nem por baleias. Mas aquela tarde estava feliz de mais. Ela sabia que precisava de um motivo para a depressão. Era necessário mergulhar em alto mar, "se afogar em 'auto mar'", brincava.
Enquanto isso, já era a terceira xícara de Sônia. "Ela não vem", falou para si umas cinquenta vezes. Mas parecia não acreditar muito. Não era possível que houvesse uma pessoa tão insensível, ingrata, tão filha da puta, tão... Bateu a mão fechada na mesa de madeira. O som ecoado fez com que todos do local olhassem para ela. Menos um menininho que tomava sorvete; esse estava a olhando o tempo todo, com o soco, virou o rosto e passou a observando a cara de espanto do pai.
Ainda na introdução do livro, se distraiu com o som dos galhos balançando a um vento mais forte. "Esse sombreiro deve ter uns cem anos, não é possível que resolva tombar hoje", riu da unica falha em seu plano infalível. "Não é possível...". Brincava com o destino. Desde pequena, quando queria muito ir para algum lugar, jogava uma moeda para o alto e dizia: "se a moeda cair em pé no chão, eu não vou". Uma vez teve que ir ao inconveniente chá-de-bebê de uma conhecida, tudo porque o apartamento da frente resolveu pegar fogo.
Deve estar atrasada, pensava. Sua perna direita não parava de se mexer. Os olhos conferiam qualquer pessoa que passasse pela calçada. Chegou a acenar para duas mulheres; uma delas não se parecia nada com Maria. Depois de um tempo agoniada, resolver passar a limpo, ela mesma, os textos que ficaram de discutir. Pegou uma caneta em sua bolsa e riscava as palavras com uma linha fina, para que ainda soubesse o que estava lá. Sônia era a insegurança em pessoa. Sabia, e todos diziam que ela escrevia melhor do que Maria. Mas a irmã era mais despojada, mais exibida. E Sônia ficara dependente do seu crivo.
Maria não virava mais as páginas. Por um tempo desejou ouvir um trovão, uma serra elétrica ou um bater de machado. Pensou no que estava fazendo e tentou se perguntar quando tinha se tornado tão hostil. Mas a própria pergunta engasgava em seu orgulho. E ela fingia para si que estava lendo o livro tranquila em sua poltrona nova.
Sônia não aguentou. Sem perceber, estava riscando frases, parágrafos inteiros. Com o tremor da perna, a linha saia torta. A mania de organização fez com que ela parasse com o massacre literário. "Vou até lá!", disse ela em voz alta. Pagou os cinco cafés e se dirigiu ao carro.
Maria tinha se resolvido: lia o livro em voz alta. Começou baixinho, mas já estava em pé, gritando cada palavra. Andando pela casa e voltando as páginas para reler compulsivamente. Ela escuta um som alto. Um estrondo vindo da rua. Corre para ver o que estava acontecendo. Quando sua vista alcança a janela, não acredita: a árvore não estava lá. Sorri. Do jeito que estava, desce as escadas correndo para pegar um taxi. Enquanto descia, preparava uma bela desculpa para seu atraso.
Sônia já tinha pego o carro a um tempo. Dirigia furiosa, costurando o trânsito. Não gostava de dirigir. O carro era do seu marido e ela usava em ocasiões extremas; como essa, em que quase se atrasou para o encontro com sua irmã na cafeteria. Bastou-lhe uma curva. Um fusca trancou sua passagem e ela virou o volante muito rápido.
"Perdeu o controle", dizia o homem para Maria. A batida foi tão violenta que derrubou o sombreiro, de mais de cem anos.