domingo, 9 de janeiro de 2011

Tia Dulce


Eram onze formigas em direção à parede. Subiriam até quase o teto, até entrar pelo buraco. Um trajeto comum. Engraçado como eram rápidas. A medir pelo seu tamanho, subir até o teto era uma distância enorme. Camelos em miniaturas, atravessando o deserto de tijolo aparente.

Agenda do consultório era lotadíssima... Só ali, na privada, podia arrumar um tempo para observar formigas. Minutos de merda e contemplação. Todos os dias, o mesmo trajeto.

Se uma viesse na contra-mão, um rápido toque de antenas corrigiria a trajetória. Ah, se o transito fosse assim! Daí pensava que as agendas, de cada uma delas, talvez fossem mais ocupadas que a dele. Sacudia a cabeça. Achava estranho encarar formigas como pessoas.

Principalmente pelo desconforto, em ser tão maior do que elas, em poder mudar aquele tracejar de soldado com o dedo mindinho. Ser grande era uma sina. Se pudesse, seria criança sempre. "Coma para crescer!", dizia tia Dulce. "Se eu crescer e quiser encolher de novo?".

Foi criado por ela. A madrinha. Irmã mais velha da mãe. Morava na casa da frente. Comia os farelos de lembrança daquele lugar. Sobrava o interior (da casa) de tia Dulce e apenas a fachada da sua casa.

Seus pais trabalhavam bastante. E as tardes eram mais brandas na casa da tia. "Tia Dulce, te adoça", brincava a mãe quando ia buscar o menino para o jantar.

Domingo vazio. Formigas trabalhando sem parar. A filha já não largava o celular cor-de-rosa. Presente ingrato e cruelmente necessário. ''Todo menina tem um, pai!''. Aos 12 anos, a filha quer ser tratada como uma adulta. Bastava-lhe um tropeço, uma topada para que mendigasse um beijinho, um gelinho, um abracinho... Ele se rendia. Derretido.

Tia Dulce ainda vivia na vila. No interior. Queria uma infância daquela para sua filha. A casa era a mesma. A dos seus pais fora demolida e o lugar virou um mercadinho. Ele pegou o carro e partiu viagem.

"Tia, vim lhe fazer uma visita". Ela o olhou com estranhamento, mas, em seguida abriu um sorriso. "É Felipe?".

"A senhora vai bem?", ela sorria. Nos olhos, um azul desbotado. E o silêncio dos estranhos.

"Dona Dulce, vamos?", a cozinheira chamava para dormir. "Vamos, Dona Dulce", ela respondia, se levantava e saia. "Apareça mais, Felipe, a casa é sua".

"Tá esquecida", dizia a cozinheira na volta. "O senhor é o doutor Felipe mesmo?". "Sim...". "Ela chama todos de Felipe. O entregador de água, o carteiro. A maioria daqui já sabe, tem uns que acham graça".

Com as chave do carro na mão, olhava o mercardinho com força. O movimento da rua. As motos barulhentas. O homem fechando as portas de ferro e graxa. O céu azul desbotado."Não fecha a porta", disse para a cozinheira. Entrou na casa. Entrou no quarto de visitas. Dormiu.