O último grito não saiu da sua boca. Agudo, o som derradeiro veio arrastado pelas unhas. Vermelhas; rasgando, arranhando os azulejos. Era sábado e o expediente dela só iria até a metade do dia. Depois disso, pronto, livre para a farra! Por isso vermelhas as unhas.
O prédio - segundo andar - ficava na frente de um supermercado. Igual o da minha casa, só que maior, mais barulhento. E eu sei como é: vem uns caminhões das estradas, do interior do Estado. A poeira é muita. O barulho também, e sobe junto à poeira. Ambos batendo na vidraça da janela.
Ela estava sozinha. Na varanda não tinha aquelas telas que colocam para criança. O apartamento não era de criança. Também não era de nenhuma avó, que gosta de receber os netos. Era de um músico, eu acho, o cara tinha uns instrumentos em casa.
A gente não tinha certeza de nada... Só nos passaram que estava envolvido com drogas. Vendia, traficava. A gente já tinha o mandato e tudo. Era só chegar e pegar o cara de surpresa.
Eu quem dei o chute na porta. O som de giz no quadro negro. Vi rapidamente, milissegundos. Ela suspirando. A cara assustada. Vi muito rápido. Decorei seu rosto. Se soubesse desenhar, fazia agora mesmo o rosto em desespero. Os olhos... Querendo se agarrar a qualquer coisa.
O som de giz... Dá uma agonia, não dá?
Logo depois que da queda, pousou um pássaro na janela. Não sei. Pode ter sido ela, dizendo qualquer coisa. O canto abafou o som da queda. As penas brilhavam um vermelho.