Juro que ouvi! Uma onomatoupeira fazendo um buraco naquele quintal. E os óculos escuros da moça refletem seu próprio nariz, lembrando um coração. Cisc, Cisc, ouvi novamente! Não fui eu Dorinha, foi o vento. O vento chutou a bola. A bola voou, voou. Se não tivesse vento dentro da bola, se o vento não tivesse chutado a bola... Até onde eu me lembro, tava no meu pé e PUF! Os óculos da moça são cor de rosa. Lá vem ela atravessando a rua. O jarro caindo no chão. O jarro cheio de água. E minha boca seca. Vai cair no quintal e quebrar. O gramado é a cabeça de um senhor de cabelos verdes e o "Cisc, Cisc" da onomatoupeira cava dentro do seu cérebro. Ai! Não fui eu, Dorinha, foi o vento. Moça, dá cá um beijo! Quero ver meu nariz refletido no teu óculos também. Dorinha tá varrendo a praia. A praia ainda tá cheia de areia. Dorinha não cansa, não cansa, não cansa. Ainda bem que hoje tá nublado. A neblina cobre o Corcovado e o Cristo pode, enfim, coçar a orelha. Foi o vento, Dorinha. O vento fez gol na janela. Fez gol na janela e me derrubou o goleiro. Que caímos, cheio de água e flor. Minha boca seca, rachando. Moça! Dá cá um beijo. Ninguém tá olhando, tá nublado. Tudo nublado. Quero ver meu nariz no teu óculos. O jarro vai rachar no quintal. Dorinha agora já sabe, ninguém olha. Ninguém vê. Levanta o mar e varre toda a areia para debaixo do mar. Foi o vento! Tá nublado. O cristo pode coçar o ouvido, posso lamber meu catarro. Eu. O jarro. Pode cair da janela. Da cá um beijo! Ai! Ai! A onomatopeira cava dentro da cabeça do senhor de cabelos verdes. Juro que ouvi.
Já não ouço mais.